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Odes Sensacionistas, Saudação a Walt Whitman e Ultimatum de Álvaro de Campos

E-BookEPUBePub WasserzeichenE-Book
140 Seiten
Portugiesisch
Shantarinerschienen am30.06.20231. Auflage
Fernando Pessoa é hoje um clássico da literatura mundial, e para esse reconhecimento decerto contribuiu a mais polémica obra de crítica literária dos últimos 30 anos: The Western Canon, de Harold Bloom. E se Bloom incluiu Pessoa - o «Whitman renascido», como lhe chamou - no seu cânone restrito de 26 escritores do Ocidente (sendo o único autor daquela lista a escrever em língua portuguesa), tal se deveu à fértil troca de ideias entre Bloom e uma das leitoras mais atentas da obra do poeta de Lisboa: Maria Irene Ramalho. Os legados intelectuais de Ramalho e de Bloom demonstram visões teóricas e ideológicas distintas quanto à construção do cânone literário. Mas ambos convergem na admiração pela obra de Pessoa e, em especial, num confessado fascínio pelo seu mais prolífico heterónimo, o irascível e escandaloso Álvaro de Campos, o engenheiro naval nascido em Tavira e formado em Glasgow, em quem Pessoa depositou toda a emoção que a si mesmo se recusou, e em quem projetou um génio ímpar da poesia de vanguarda do primeiro terço do séc. XX. Odes Sensacionistas, Saudação a Walt Whitman e Ultimatum de Álvaro de Campos, antologia gizada na primavera de 2019, poucos meses antes do desaparecimento de Bloom, é simultaneamente um belo testemunho da amizade e da colaboração intelectual entre Maria Irene Ramalho e Harold Bloom e um contributo fundamental para a divulgação e compreensão da obra de Álvaro de Campos, o alter-ego de Fernando Pessoa até à sua morte em 1935.mehr

Produkt

KlappentextFernando Pessoa é hoje um clássico da literatura mundial, e para esse reconhecimento decerto contribuiu a mais polémica obra de crítica literária dos últimos 30 anos: The Western Canon, de Harold Bloom. E se Bloom incluiu Pessoa - o «Whitman renascido», como lhe chamou - no seu cânone restrito de 26 escritores do Ocidente (sendo o único autor daquela lista a escrever em língua portuguesa), tal se deveu à fértil troca de ideias entre Bloom e uma das leitoras mais atentas da obra do poeta de Lisboa: Maria Irene Ramalho. Os legados intelectuais de Ramalho e de Bloom demonstram visões teóricas e ideológicas distintas quanto à construção do cânone literário. Mas ambos convergem na admiração pela obra de Pessoa e, em especial, num confessado fascínio pelo seu mais prolífico heterónimo, o irascível e escandaloso Álvaro de Campos, o engenheiro naval nascido em Tavira e formado em Glasgow, em quem Pessoa depositou toda a emoção que a si mesmo se recusou, e em quem projetou um génio ímpar da poesia de vanguarda do primeiro terço do séc. XX. Odes Sensacionistas, Saudação a Walt Whitman e Ultimatum de Álvaro de Campos, antologia gizada na primavera de 2019, poucos meses antes do desaparecimento de Bloom, é simultaneamente um belo testemunho da amizade e da colaboração intelectual entre Maria Irene Ramalho e Harold Bloom e um contributo fundamental para a divulgação e compreensão da obra de Álvaro de Campos, o alter-ego de Fernando Pessoa até à sua morte em 1935.
Details
Weitere ISBN/GTIN9789899156081
ProduktartE-Book
EinbandartE-Book
FormatEPUB
Format HinweisePub Wasserzeichen
FormatE101
Verlag
Erscheinungsjahr2023
Erscheinungsdatum30.06.2023
Auflage1. Auflage
Seiten140 Seiten
SprachePortugiesisch
Dateigrösse2958 Kbytes
Artikel-Nr.13389098
Rubriken
Genre9201

Inhalt/Kritik

Leseprobe



Introdução
Álvaro de Campos, engenheiro naval e poeta sensacionista

«Fernando Pessoa não existe, propriamente falando» - eis o que afirma o heterónimo Álvaro de Campos nas suas notas para a recordação de Alberto Caeiro, o heterónimo que é o mestre deles todos. Por impertinente que seja, a escandalosa afirmação de Campos corresponde perfeitamente à realidade. O sobrenome do poeta, Pessoa, vem do latim «persona», que significa «máscara»: por detrás da máscara, a pessoa de Fernando Pessoa não existe. Deter-se a recordar o mestre é o pretexto de Álvaro de Campos - porventura, depois do próprio Fernando Pessoa, o mais eloquente e desassombrado dos heterónimos - para tecer comentários sobre as realizações poéticas de Pessoa, entre as quais sobressai a mais original de todas elas: a criação dos heterónimos. Pessoa reinventou um termo já existente na gramática, «heterónimo» (nomes completamente diferentes para objectos semanticamente muito próximos), para significar os diferentes nomes dos seus muitos não-ele-próprio ficcionais. A palavra assim redefinida por Pessoa mereceu, entretanto, um verbete no Dictionary of Literary Terms and Literary Theory, de J. A. Cuddon (1999, p. 381).

A história da génese dos heterónimos é por demais conhecida. Pessoa criou-a em 1935 na muito citada carta endereçada a Adolfo Casais Monteiro, um jovem poeta e crítico de presença (1927-1940). Esta revista do chamado «Segundo Modernismo» em Portugal foi fundamental para dar a conhecer a um público mais vasto um Pessoa até então praticamente inédito.

No dia 8 de Março de 1914 - Pessoa como se «numa espécie de êxtase» - a sequência de poemas intitulada O guardador de rebanhos «apareceu» subitamente perante ele, juntamente com o seu «autor», o ostensivamente singelo poeta pastoril, Alberto Caeiro. Este primeiro heterónimo, logo reconhecido como «mestre», foi de imediato seguido de «discípulos» que haveriam de constituir uma «coterie inexistente» de poetas: Ricardo Reis, médico, monárquico e autor classicista de epicuristas odes horacianas; Álvaro de Campos, extravagante cantor whitmaniano dos desafios da modernidade e da máquina, da nação, da identidade e da sexualidade; e Fernando Pessoa, virado não-Pessoa, e reagindo «contra a sua inexistência como Alberto Caeiro» (Pessoa 1982, pp. 93-100). Como primeiro reconheceu Jorge de Sena (Sena 1974; 1982), «Fernando Pessoa» passou a ser também um heterónimo; a partir daí, «Pessoa» não foi mais do que o nome de família do poeta. Tem razão Álvaro de Campos: ao passar a ser «drama em gente» e a integrar «pessoas livros», Fernando Pessoa deixou de existir - propriamente falando.

Caeiro (ou seja, os heterónimos) surgiu em resultado do encontro de Pessoa com Walt Whitman no início da sua carreira. Susan M. Brown, na peugada das perspicazes análises de Eduardo Lourenço (Lourenço 1973), foi quem primeiro reflectiu aprofundadamente sobre a fundamental relevância do aparecimento de Caeiro para o desenvolvimento dos heterónimos (Brown 1987). Brown fala com grande sensibilidade e persuasão do impacto de Whitman - dos seus muitos «Eu», «Mim», «Não-Eu», «Eu-Próprio», «Não-Eu-Próprio» - em Caeiro e nas outras pessoanas identidades poéticas.

Como o sexto sentido de Eduardo Lourenço o levou a intuir logo em 1973, Caeiro é também a magnífica invenção de Pessoa para suspender a ansiedade de influência. Pessoa inventou o mestre e criou a multiplicidade poética a fim de negar uma autoridade poética anterior. Não espanta que Pessoa tenha decidido deixar Caeiro morrer prematuramente. É curioso também que Pessoa defina Álvaro de Campos como «um Walt Whitman com um poeta grego dentro de si» (Pessoa 2009, p. 216) e um cultor privilegiado de arte não aristotélica (i.e. não-mimética), esquecendo-se muitas vezes de mencionar Whitman como um dos poetas que de facto o influenciou.

Sem o encontro de Pessoa com Walt Whitman, não teria existido Alberto Caeiro, mestre poeta-dos-sentidos-e-sensações. Em «Não há abismos», que incluímos nesta antologia, Campos dirige-se a Caeiro, dizendo, «tu sabias [â¦] com o teu corpo inteiro». Sem Whitman, tão-pouco teria existido Álvaro de Campos, o engenheiro naval e poeta sensacionista, e «autor» de «Apontamentos para uma estética não aristotélica» (1925).

Das dezenas de manuscritos sobre sensacionismo e outros ismos pessoanos recentemente publicados por Jerónimo Pizarro (Pessoa 2009, pp. 141-220), alguns deles escritos em inglês e atribuídos a Pessoa, a Campos, ou a qualquer outra inventada persona, ficamos a saber um pouco mais do que pensava Pessoa (não sem contradições) do sensacionismo enquanto poética não-aristotélica. No rascunho de uma carta decerto destinada a algum editor inglês (Pessoa 2009, pp. 401-404), uma exposição detalhada da «atitude central» do sensacionismo pode resumir-se do seguinte modo: na vida, a única realidade é a sensação; a arte é a consciência harmoniosa da sensação; em arte não há filosofia, só arte. O sensacionismo não é um movimento, é antes uma «síntese final» de todos os movimentos modernos, incluindo o decadentismo, o cubismo e o futurismo. Deriva do simbolismo, lemos noutro apontamento, tem por objectivo a força e a energia, e não a beleza; na origem do sensacionismo está a amizade entre Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro; Álvaro de Campos e Almada-Negreiros são os seus cultores de excelência (Pessoa 2009, p. 215). Não admira que tivesse ocorrido a Campos dedicar «A passagem das horas» (c. 1916), enquanto ode «sensacionista», a Almada-Negreiros, a quem agradece efusivamente pelo simples facto de existir (Pessoa 2009, p. 569).

Vale a pena citar aqui na íntegra a afirmação ousada no fecho de «Apontamentos para uma estética não-aristotélica»:

[â¦] até hoje, [â¦] só houve três verdadeiras manifestações de arte não-aristotélica. A primeira está nos assombrosos poemas de Walt Whitman; a segunda está nos poemas mais que assombrosos do meu mestre Caeiro; a terceira está nas duas odes - a «Ode triunfal» e a «Ode marítima» - que publiquei no Orpheu. Não pergunto se isto é imodéstia. Afirmo que é verdade. (Pessoa 1982, p. 26)

No entanto, quando os nomes de Walt Whitman e William Blake são citados em conjunto como a «origem» do sensacionismo (Pessoa 2009, p. 159), quem lê suspeita seriamente que o sensacionismo é muitas vezes apenas o nome que Pessoa dá ao tipo de grande poesia que ele mais admira.

Uma manifestação exuberante de arte não-aristotélica e sensacionista é «Ultimatum» (1917), um arrogante texto de poética radicalmente destrutiva destinado a uma colectânea de poesia de Campos intitulada Arco do triunfo. «Minha imaginação é um Arco de Triunfo» (c. 1915), que incluímos nesta antologia, é uma demonstração sucinta da poesia enquanto consciência da sensação; as suas imagens dinâmicas de vertigens, explosões e vulcões vomitando chamas ganham dimensões extraordinárias em «Ultimatum». Sem dúvida acicatado pelo ultimato inglês de 1890, que obrigou Portugal a abandonar os territórios africanos entre Angola e Moçambique conhecidos como Mapa Cor-de-Rosa, o «Ultimatum» de Campos é uma provocação poética revolucionária em duas partes, que é também um gesto de revolta cultural a tirar partido da devastação da Grande Guerra. A nossa antologia inclui um dos muitos fragmentos de «Ode marcial» (c. 1914) a mostrar a preocupação de Campos com os horrores da guerra.

A primeira parte de «Ultimatum» é uma explosão de violento sarcasmo contra a cultura e os costumes ocidentais, sem deixar de lado os «Estados Unidos da América, síntese-bastardia da baixa-Europa, alho da açorda transatlântica, pronúncia nasal do modernismo inestético!» Os seus versos estridentes servem-se de apóstrofes e de um tom brutalmente acusador para metralhar com uma desdenhosa ordem de despejo os poderes hegemónicos da Europa, a que o poeta chama «mandarins» (i.e. mandões), e acusa de serem pateticamente incompetentes e corruptos. O libelo hilariante acaba sintetizado na obscenidade grafada a negrito ( MERDA! ) que separa as duas partes.

A segunda parte, mais sentenciosa e a anunciar o que necessita de ser feito, proclama a regeneração da «sensibilidade» mediante uma série de intervenções «cirúrgicas» com vista à criatividade. A criatividade, no entanto, exige a «abolição» de todos os «preconceitos» e «dogmas» do humanismo liberal que Nietzsche já expusera: o «dogma da personalidade», o «preconceito da individualidade», e o «dogma do objectivismo pessoal». O teor do moralizar nietzschiano de Campos atinge o seu auge na ousada profecia da «Humanidade dos Engenheiros», anunciando o «Superhomem» «mais completo», «mais complexo» e «mais harmónico». Ouvem-se ecos da ideologia nazi, mas também claras repercussões do poeta pessoano múltiplo e sensacionista - completo, complexo, harmonioso - o Super-Camões enquanto auto-profecia de Pessoa em «A nova poesia portuguesa» (1912 [Pessoa 1982, pp. 361-397]). O «Ultimatum» é o manifesto metapoético do sensacionismo, enquanto «Apontamentos para uma estética não aristotélica» é a tentativa de lhe dar fundamento teórico.

Campos alude em «Apontamentos» a Orpheu 1, onde foi publicada a «Ode triunfal», e a Orpheu 2, onde pela primeira vez veio a lume a «Ode marítima», ambos os números datados de 1915. Quando...

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